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sábado, 27 de fevereiro de 2010

MOTIVO


Cecília Meireles

Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,
Não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
-não sei , não sei. Não sei se fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
-mais nada.
Cecília Benevides de Carvallho Meireles nasceu no Rio de Janeiro em 1901. Iniciou na literatura através da "corrente espiritualista" , sob a influência dos poetas neo-simbolista. Embora tenha se distanciados desses , nunca perdeu a linha intimista numa atmosfera de sonho e fantasia. Cecília manifesta sempre sua preocupação com a transitoriedade das coisas e das pessoas. O tempo é seu principal personagem. A linguagem de Cecília é formada por símbolos e imagens sugestivas e sensoriais.

domingo, 14 de fevereiro de 2010

ENCONTRO DAS ÁGUAS





... a paixão veio assim
Afluente sem fim
Rio que não deságua

Aprendi com a dor
Nada mais é o amor
Que o Encontro das Águas

Esse amor
hoje vai pra nunca mais voltar
como faz o velho pescador
Quando sabe que é a vez do mar

...
JORGE VERCILO

domingo, 7 de fevereiro de 2010

CLARA CLARICE


Foi quando percebeu que só tinha nas mãos cacos, que eram tão pequenos que não podia emendá-los. Foi quando percebeu que a luz que abre os dias é a pura claridade dos dias e o que mata sede é água. Foi como acordar lúcido e sujo numa calçada. Diante de uma saída tão estreita, acabou concordando que a realidade tinha sua fatia sem matéria. Ela não: tinha um rosto, cabelos, fome e sede. Fome e sede... O pior era que o tempo passava.
Resolveu não mais sair de casa e a viver num estado de desistência. Na calma de nada entender trancava gavetas, portas e janelas. O que não convivia bem consigo, era não se achar de confiança e quase sempre não caber em si. Sua felicidade consistia em ter um sentimento secreto de inexatidão. O dia que tudo lhe parecesse matemático, teria a impressão cômoda dos dias. Constatou então, que colocavam um fim fora de lugar. Na verdade amava ter sido dois. Julgou que se fosse a outra parte seria mais fácil; contudo sabia que não sendo o lado feminino da história, jamais alcançaria esse estado de inquietação, de querer saber o que um homem sente. Eram territórios sem fronteiras.
Estava de través, como se qualquer outra posição a desequilibrasse. Sabia que não poderia permanecer por muito tempo assim, esse estado de alvoroço anestesiava e tirava-lhe o sono. Passou a viver num estado de Desistência. Da desistência chega-se à loucura. A loucura é uma canção sem voz.
Por muito tempo, sua única ligação com o mundo era o rapaz da mercearia que às Quintas-feiras trazia as verduras.
-Dona Clara! Gritava do portão.
Também aconteceu: "O tempo pôs-se a correr, a correr, a correr, e o mato cresceu ao redor, ao redor..."
Ela era por liberalidade sua própria feiticeira.
Aí, vem o dia que a maior das artes humanas vence: A Sobrevivência - estado latente de defesa. Até ali, não ter certezas era o fruto que carregava em silêncio. Com habilidade mestre , colocou-o sobre a mesa e o partiu, como se procurasse a menor das células. Embuída que estava do mesmo sentimento que Deus teve no dia que resolveu fazer o mundo, abriu as janelas da sala.
A umidade da casa atravessou a varanda.
L.A

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Canção aos olhos e ouvidos de Sônia Schmorantz




BRINCAR DE RIMAR

Sônia Schmorantz



Eu quero qualquer coisa mágica,
qualquer coisa azul,
qualquer forma de ser feliz.
Não quero acordar cedo,
quero prolongar o sonho
mesmo
que a história seja trágica.
Não quero sonhos falsos,
Não quero destino já traçado,
Não quero uma vida básica.
Não quero restos ou pedaços
Não quero olhar o relógio,
Não quero um tempo sádico.
Quero valer um mar azul
uma estrela na varinha de condão
um poema de efeito mágico,
que seja fácil, que seja simples,
nem litúrgico, nem letárgico,
mas que fale ao coração…




NOTÍVAGA

Sônia Schmorantz


Sou notívaga, perambulo nas madrugadas

como as corujas, empertigadas, em cima dos muros.

Ouço os sons da madrugada, os que estão fora e
os que tenho dentro de mim.

Silêncios quebrados por sons de pássaros noturnos,
pessoas que passam, chave na fechadura, criança que chora.

cortam a madrugada o choro dos amores mal resolvidos,
Os sonhos ainda não vividos, o som de risos perdidos na memória.

A madrugada está cheia de sons, música transcendental, natural
que não precisa de cordas ou teclas, vem no assobio do vento
ou nos acordes dos pingos de chuva na velha calha.

Não sei que hora o relógio marca, sei que estou acordada,
que o poema não deixa de ser uma oração silenciosa,
será que Deus ouve melhor nessa hora?

Resta depois esta vontade de chorar diante da beleza,
Resta esta súbita saudade de tudo e de nada,
até que os sons se esmaeçam enternecidos no sono
que finalmente chega…

Nota : Textos e fotos do Blog visual e poético de Sônia Schmorantz
Vale muito conhecer: ILHA DA MAGIA